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Legitimidade da Defesa Animal


Em tempos de confrontos judiciais pela custódia de animais domésticos, cães e gatos legítimos herdeiros de legados milionários, a defesa do direito a vida e integridade física desses seres indefesos é obviamente algo a ser discutido.

Seguindo a linha de raciocínio da evolução das relações cotidianas entre homem e animais, é notória a necessidade de alterações legislativas objetivando a adequação do ordenamento jurídico as ideologias e concepções do mundo moderno.

Ao mesmo tempo em que a legislação brasileira possui uma clara preocupação ambiental, visando proteger de forma rigorosa a fauna e flora nacional com garantias previstas pelaConstituição Federal, não existe o mesmo rigor e cuidado ao descrever qualquer forma de vida se não a humana.

Basta uma breve análise da legislação brasileira para entender a falta de congruência entre as garantias constitucionais, a concepção de personalidade do Código Civil e as sanções criminais do Código Penal.

Enquanto a Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo1º, III a proteção exclusiva a dignidade da pessoa humana, proteção essa que ecoa para toda legislação criando medidas protetivas das mais variadas formas a fim de zelar pela integridade da pessoa humana, a mesma Constituição não traz qualquer referência à dignidade e integridade da vida animal.

Em paralelo, com afinco de proteger e garantir a integridade de animais seja eles silvestres ou domésticos a lei 9605/98 apresentou em seu artigo 32 o seguinte texto:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

A preocupação do legislador em proteger a integridade física dos animais fica evidenciada pela criação de tipo penal com o escopo de punir eventual agente criminoso que venha a lesar ou mesmo retirar a vida do ser tutelado pelo texto legislativo, tendo assim causa de aumento de pena prevista pelo parágrafo segundo.

Em 1998 a lei foi recebida de forma positiva pela sociedade, mesmo entendendo que as sanções previstas no dispositivo resultariam em penas alternativas ou suspensões processuais oriundas da leviandade do castigo.

È inequívoca a preocupação da sociedade moderna com o bem estar dos animais. Entretanto como de costume no Brasil as alterações legislativas não acompanham a evolução natural dos indivíduos, evolução essa que muda a forma de ver e entender o mundo e todos que vivem ao seu redor.

De forma erronia, porem necessária em um país engessado por políticas burocráticas, o judiciário é obrigado a “legislar” de forma autônoma, mudando a interpretação da legislação vigente, criando jurisprudências que se adéquam a necessidade do cotidiano Brasileiro.

Assim ocorreu no âmbito das guardas e tutelas. O judiciário de forma absolutamente correta entendeu que o apego dos donos por seus animais era equiparado ao vínculo existente entre pais e filhos, devendo assim ser respeitado o sentimento das partes em participar do convívio do animal.

O judiciário brasileiro já divide da ideia clara que por mais que cães e gatos sejam considerados semoventes (bens que se movem por conta própria) é inegável a troca de afeto entre os mesmos e seus proprietários, devendo a guarda ser compartilhada entre o casal no momento da separação.

Por uma questão obvia pode se concluir que os animais ganharam ao longo dos anos posição semelhantes à de seres humanos, tendo sua vida e integridade físicas tuteladas por legislação especial, tal qual o judiciário de fato comprovou que existe um laço afetivo entre animais e seus donos, equiparando os pressupostos de guarda compartilhada a questão.

Diante de tal reflexão resta analisar o dogma previsto no artigo 25 do Código Penal:

Art. 25 – “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

O artigo em questão é uma das claras causas de excludente de ilicitude previstas pelo Código Penal, excludente essa obviamente lastreada no artigo 1º, III da Constituição Federal, objetivando assim a proteção da dignidade da pessoa humana, que se encontrando em situação onde sua integridade física ou a de terceiros é ameaçada, tem a legitimidade de usar o uso moderado e proporcional da força para repelir a agressão.

O referido artigo 25 pelo seu próprio texto deixa evidente a possibilidade de fazer uso dos devidos meios para a proteção do direito constitucional a vida e integridade física de terceiros, usando as palavras direito e outrem.

A palavra direito traz a clara obrigação de previsão legal de um direito tutelado, devendo existir guarnição legal do bem jurídico ameaçado. É notório o direito a integridade física dos animais, estando comprovado pela Lei 9605/98 que evidência o pressuposto de direito previsto no texto do artigo 25 doCódigo Penal.

Por mais branda que as penas para a lesão da integridade física de animais sejam, elas são tuteladas pelo ordenamento jurídico, podendo sim sofrer injusta agressão seja ela atual ou iminente, sendo possível assim ser repelida por outrem. Existindo um direito e uma ameaça, se torna presente a possibilidade de usar meios necessários para repelir tal injustiça.

Atualmente o judiciário Brasileiro não entende que a excludente de ilicitude da legítima defesa pode ser aplicada para crimes onde a violência repelida por terceiros é contra animais, vez que o entendimento das cortes superiores é que o peso da vida humana supera a vida animal, não sendo uma equação proporcional lesar ou arrebatar a integridade humana em troca de um animal.

Mesmo embrionária a tese de legítima defesa em favor dos animais tem claro embasamento jurídico. Sendo evidente que animais são titulares de salvaguarda do estado, devem por notória analogia ser protagonistas da proteção de direitos por terceiros em caso de violência ou grave ameaça.

Dentro de um estado democrático de direito, onde animais tem equiparação jurídica proporcional a de um filho, tendo sua guarda compartilhada e sua proteção à integridade física tutelada de forma absoluta por legislação extravagante é inaceitável um terceiro de boa fé não se eximir da responsabilidade de um eventual fato típico por conta de uma omissão legislativa.

Em um país onde jurisprudências não são respeitadas e constantemente os tribunais superiores mudam seu entendimento da água para o vinho, a melhor forma de garantir direitos aos animais e a aqueles que os protegem é através de alterações legislativas simples, mudando a forma com que o Código Civil encara seres não humanos.

A simples alteração da natureza jurídica dos animais já é o suficiente para estender centenas de direitos cabíveis aos mesmos. Considerando animais como objetos, simples ativos de patrimônio, injustiças e atrocidades continuaram a existir.

Em um estado de direito não é aceitável e muito menos humano aceitar que animais sejam torturados e mortos perante nossos olhos e nada possa ser feito, animais não são objetos, são seres conscientes, sentem dor, criam vínculo afetivo, cabe a nós seres humanos atribuir o valor devido e legítimo para essas criaturas indefesas.

Autor: Paulo Cesar Gracia Bernardo Filho

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